Palombar e autoridades portuguesas e espanholas reforçam a colaboração para acompanhar a mais frágil colónia portuguesa de abutre-preto.
A colónia de abutre-preto (Aegypius monachus) do Douro Internacional foi a segunda a estabelecer-se em Portugal, em 2012, quatro décadas após a espécie se ter extinguido, como reprodutora, no país. Durante muitos anos, a colónia tinha apenas um casal, que nem sempre se reproduzia com sucesso. Em 2019 a colónia aumentou para dois casais reprodutores e, posteriormente, aumentou para os oito casais registados em 2024. No entanto, esta mantém-se a colónia mais frágil do país, por ser a mais isolada, localizada a mais de 100 km da colónia mais próxima, em Espanha. O isolamento e a reduzida dimensão tornam esta colónia muito suscetível a vários riscos, sendo fundamental assegurar a sua proteção.
Um rio que une
Nesta região, o imponente canhão do rio Douro traça a fronteira entre Portugal e Espanha. No entanto, para os abutres e para aqueles que os protegem, o território é um só. Do lado português, as equipas da Direção Regional do Norte do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas), em particular do Parque Natural do Douro Internacional (PNDI), trabalham em estreita colaboração com os biólogos e técnicos da associação Palombar. Em Espanha, a Junta de Castilla y León (JCyL) e as respetivas equipas do Parque Natural Arribes del Duero (PNAD) juntam-se a esta missão de conservação. Juntos, monitorizam e protegem a rica biodiversidade da região e, no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return, unem esforços para salvaguardar o abutre-preto, num verdadeiro exemplo de cooperação transfronteiriça.

Trocar experiências para salvar abutres
Para preparar os trabalhos da nova época de reprodução, as equipas portuguesas e espanholas reuniram recentemente no PNDI. Foi também feita uma visita técnica à jaula de aclimatação, que em breve receberá mais um grupo de abutres-pretos. Aí foram discutidos aspetos relativos ao bem-estar e à alimentação das aves, bem como à videovigilância. As equipas visitaram ainda as plataformas-ninho artificiais construídas no PNDI para atrair novos reprodutores e fornecer locais seguros para a sua nidificação. Estes trabalhos interessam particularmente os técnicos especializados em escalada e trabalhos em altura, que puderam trocar experiências e discutir abordagens para estes trabalhos muito desafiantes, desempenhados sobre as escarpas rochosas.
O grupo dedicou ainda algum tempo a discutir as ameaças aos abutres, e formas de colaborar para a sua redução. Uma das ameaças latentes são as várias linhas elétricas que atravessam o rio Douro, algumas sem sinalização suficiente, e que causam a morte destas grandes aves planadoras por colisão. Relembre-se o caso de Freixo, uma cria de abutre-preto que, no início de 2024, morreu violentamente nessas circunstâncias. Durante a visita, foi possível observar dezenas de grifos a voar por cima e por baixo das linhas elétricas, tendo sido discutidas abordagens para a sua melhor sinalização, a reforçar junto das entidades competentes.

Monitorizar as aves necrófagas
Há mais de 25 anos que, no Douro Internacional, a monitorização das aves necrófagas é feita em articulação e cooperação entre os dois Parques Naturais, e 2025 não será exceção. Em pontos de observação estratégicos e também de barco, as várias equipas dividem os esforços de acompanhar de perto a reprodução das aves e definir rigorosamente todos os parâmetros de reprodução.
Em 2024, os abutres-pretos reproduziram pela primeira vez no lado espanhol das arribas, tendo ali produzido duas crias. Uma destas crias foi marcada e batizada de Arribes, num esforço que também incluiu a Universidade de Oviedo e o CRAS-HVUTAD (Centro de Recuperação de Animais Selvagens do Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro), bem como outros parceiros do projeto LIFE Aegypius Return, que colaboram na monitorização remota desta ave.
Jacinto: o abutre sénior
A monitorização dos emissores GPS/GSM com que os abutres-pretos são marcados permite a deteção de movimentos anómalos e o socorro atempado de uma ave debilitada, ou, noutros casos, de imobilidade. Quando um emissor fica parado, a ave poderá ter morrido – e nesse caso ativam-se os meios legais de investigação de causa de morte –, ou o emissor poderá ter-se desprendido.
Foi o caso do emissor do Jacinto, que ficou imóvel em fevereiro de 2024, numa floresta densa que alberga uma colónia reprodutora de abutre-preto na província de Salamanca. Jacinto é um abutre-preto bem conhecido das equipas LIFE Aegypius Return. Foi anilhado em janeiro de 2006, quando deu entrada no RIAS (Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens), no Algarve, em situação de grande debilidade. Foi libertado após a sua recuperação e voltaria a ser encontrado em março de 2021, novamente exausto, perto de Salamanca. Dessa vez exibia sinais de estar em reprodução, pelo que a devolução à natureza era urgente. Foi recuperado no Centro de Recuperación de Fauna Silvestre Las Dunas, gerido pela JCyL, e libertado dois dias depois, desta vez com um nome (Jacinto) e um emissor às costas. Quando em fevereiro de 2024 o emissor ficou parado, temeu-se pela morte de Jacinto, um adulto com pelo menos 18 anos de idade. Em plena época de reprodução, a aproximação às zonas de nidificação deve ser evitada ao máximo, para não perturbar as aves. No entanto, neste caso concreto, era importante verificar se o Jacinto estaria em apuros ou morto.
A cooperação transfronteiriça revelou-se, uma vez mais, fundamental. As primeiras observações à distância, pelos técnicos da JCyL não permitiam compreender se o Jacinto estava ou não, no local. Em abril foi possível verificar, no terreno, que o emissor transmitia do topo de um pinheiro que suportava um ninho aparentemente não utilizado nesse ano. O acesso ao local era muito difícil, e sem equipamento adequado era impossível perceber se o corpo do Jacinto estaria no topo da árvore. Felizmente, nas imediações não havia sinais que pudessem evidenciar a sua morte, pelo que se aguardou pelo final da época de reprodução para voltar ao local e procurar melhor. Em outubro de 2024 e graças à persistência das equipas especializadas em trabalhos em altura da JCyL, foi finalmente possível subir ao pinheiro, recuperar o emissor, e confirmar que não havia ossos, penas ou qualquer sinal que evidenciasse a morte do Jacinto. Assim, resta-nos esperar que continue a voar e a reproduzir-se, e que nos venha a presentear com mais alguma visita.
Os parceiros LIFE Aegypius Return agradecem a todos os técnicos e entidades envolvidos nesta colaboração transfronteiriça, e congratulam pela eficaz coordenação de esforços.
O projeto LIFE Aegypius Return é cofinanciado pelo programa LIFE da União Europeia. O seu sucesso depende do envolvimento de todos os intervenientes relevantes, e da colaboração dos parceiros: a Vulture Conservation Foundation (VCF), o beneficiário coordenador, e os parceiros locais Palombar - Conservação da Natureza e do Património Rural (com cofinanciamento da Viridia - Conservação em Ação), Herdade da Contenda, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, Liga para a Protecção da Natureza, Associação Transumância e Natureza, Fundación Naturaleza y Hombre, Guarda Nacional Republicana e Associação Nacional de Proprietários Rurais Gestão Cinegética e Biodiversidade.
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