No Dia Europeu da Rede Natura 2000, a maior rede de áreas protegidas do mundo, assinalado a 21 de maio, foi inaugurada a estação de aclimatação de abutres-pretos (Aegypius monachus) no Douro Internacional, no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return. Quatro juvenis estão já em aclimatação, e serão libertados no outono.
Aclimatação com vista para as arribas
A estação de aclimatação foi construída em Fornos, no concelho de Freixo de Espada à Cinta, e corresponde a uma jaula de grandes dimensões (18 metros de comprimento, nove de largura e seis a oito metros de altura), adjacente a um campo de alimentação para aves necrófagas (CAAN).
A ONG Palombar – o parceiro LIFE Aegypius Return responsável pela construção e gestão da estrutura – planeou a jaula ao detalhe, para garantir o bem-estar e o convívio das aves. Assim, no interior da jaula os abutres têm disponíveis poleiros, rampas, ramos no chão, e até uma piscina para banhos – tudo isto com uma arrebatadora vista sobre o canhão fluvial do Douro. No exterior, em frente à jaula, encontra-se um CAAN vedado, com cerca de 2 hectares (cuja obra esteve a nosso cargo), onde é colocado alimento de forma a mimetizar a disponibilidade de carcaças que surge em meio natural (os abutres-pretos são aves exclusivamente necrófagas). Assim, do interior da jaula, os abutres-pretos que estiverem em aclimatação poderão observar e interagir com os seus congéneres e outras espécies, socializando e aprendendo os comportamentos naturais, como a alimentação e a identificação de perigos.
O Douro Internacional foi a área selecionada para a aclimatação de abutres-pretos, no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return, pois alberga a colónia mais pequena, frágil e isolada do país. Em 2022 eram conhecidos apenas dois casais reprodutores na região; em 2024 conhecem-se sete – quatro do lado português e mais três do lado espanhol –, mas o isolamento da colónia dificulta uma expansão natural.
Jaula de aclimatação para abutres-pretos, contruída em Fornos - Douro Internacional © Leonor Carvalho/Palombar
Técnica de conservação pioneira em Portugal
A aclimatação corresponde a um período de habituação das aves a uma determinada região, neste caso, o Douro Internacional, e faz parte de um processo genericamente designado de soft release (libertação retardada), que ainda não havia sido aplicada em Portugal, com nenhuma espécie.
Os programas de soft release têm sido aplicados em diversas regiões da Europa, estando devidamente descritos e testados com várias espécies de abutres. Comparativamente a outras técnicas usadas em programas de conservação, o soft release permite a fidelização das aves à área de libertação e é um procedimento recomendado para acelerar o assentamento e aumentar a viabilidade de uma população.
No LIFE Aegypius Return, os abutres-pretos que entrarem em aclimatação serão aves juvenis exclusivamente provenientes de Centros de Recuperação para a Fauna. Isto é, são aves que nasceram e se desenvolveram em meio selvagem, mas que por lesão ou debilidade tiveram de ingressar num Centro de Recuperação, ainda sem terem território de reprodução estabelecido (o que nos abutres-pretos só acontece aos cinco ou seis anos de vida). Após a sua reabilitação, em vez de serem diretamente devolvidos à natureza, serão encaminhados para uma aclimatação que durará entre cinco a nove meses. Após esse período, serão libertados por abertura da jaula e sem contacto com humanos, esperando-se que permaneçam na região do Parque Natural do Douro Internacional e aí venham a estabelecer o seu território de nidificação.
Quatro abutres-pretos aguardam liberdade
A estação de aclimatação foi inaugurada com a receção de quatro abutres-pretos, três fêmeas e um macho. Estes abutres foram resgatados em Évora, Montejunto e Belmonte, e, posteriormente, transferidos para o Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens (CERAS), localizado em Castelo Branco e gerido pela Quercus, onde estiveram a recuperar. A introdução dos abutres na jaula foi acompanhada por equipas de veterinários do CERAS e do Centro de Recuperação de Animais Selvagens do Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (CRAS/HV-UTAD). As aves foram anilhadas, foram recolhidas amostras biológicas, e, antes da sua devolução à natureza – que se prevê para o próximo outono, receberão emissores GPS.
As aves estão agora a ser monitorizadas através do sistema de videovigilância instalado na estação de aclimatação. Em caso de emergência, os médicos-veterinários do CRAS/HV-UTAD poderão rapidamente acorrer ao local e prestar assistência, dispondo, para tal, de uma pequena enfermaria que se encontra apensa à jaula.
Até 2027, o projeto LIFE Aegypius Return prevê devolver à natureza 20 abutres-pretos através de soft release. Naturalmente, todos estes procedimentos carecem de licenciamento por parte da autoridade nacional para a conservação da natureza, o ICNF - Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que acompanha a iniciativa.
Abutre-preto em aclimatação. Imagem recolhida através do sistema de videovigilância.
Os parceiros LIFE Aegypius Return agradecem a todas as pessoas e entidades envolvidas na construção, gestão e inauguração da estação de aclimatação – um marco fundamental para o sucesso do projeto e, consequentemente, para a consolidação das populações de abutre-preto em Portugal.
Fotografia de grupo – Inauguração da estação de aclimatação a 21/05/2024. © Leonor Carvalho/Palombar
O projeto LIFE Aegypius Return é cofinanciado pelo programa LIFE da União Europeia. O seu sucesso depende do envolvimento de todos os stakeholders relevantes, e da colaboração dos parceiros, a Vulture Conservation Foundation (VCF), beneficiário coordenador, e os parceiros locais Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, Herdade da Contenda, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, Liga para a Protecção da Natureza, Associação Transumância e Natureza, Fundación Naturaleza y Hombre, Guarda Nacional Republicana e Associação Nacional de Proprietários Rurais Gestão Cinegética e Biodiversidade.
Commentaires